O lipedema é uma doença crônica que afeta principalmente mulheres, caracterizada pelo acúmulo desproporcional de gordura nos braços e pernas, poupando mãos e pés. Além de alterações estéticas, provoca dores intensas, inchaço persistente e hematomas espontâneos. Estima-se que 12% das mulheres brasileiras convivam com a doença sem diagnóstico preciso.
Exames tradicionais subestimam o lipedema
Historicamente, ultrassonografia, ressonância magnética e densitometria eram usados apenas para descartar obesidade, linfedema ou retenção de líquidos. Como resultado, muitos casos de lipedema passaram despercebidos. Assim, milhares de mulheres receberam tratamentos inadequados, atrasando o alívio dos sintomas.
Estudo brasileiro estabelece critérios por imagem
Um estudo publicado no Journal of Biomedical Science and Engineering analisou 34 pacientes com sinais clássicos do lipedema por meio da ultrassonografia. Dessa forma, os pesquisadores identificaram padrões teciduais específicos que permitem diagnosticar o lipedema de forma objetiva.
O estudo foi detalhado no livro “De Improvável a Memorável” (Amazon, 2025). Com esses critérios, os médicos podem diferenciar o lipedema de outras condições e oferecer tratamentos eficazes, melhorando a qualidade de vida das pacientes.
Classificação LDHC e evolução da doença
Após dois anos de pesquisa, os cientistas documentaram alterações nas camadas da pele e identificaram os nódulos do lipedema. Eles representam micro-hemorragias e hipóxia tecidual, mostrando que a doença envolve baixa oxigenação, alterações na microcirculação e inflamação.
A partir desses dados, criaram a Classificação LDHC (Lipedema Dermal & Hypodermal Classification), que divide o lipedema em quatro estágios, com base na alteração tecidual observada por ultrassom. Essa classificação permite:
- Padronizar laudos de ultrassonografia
- Orientar decisões médicas
- Monitorar a progressão do lipedema
Além disso, a calculadora LDHC integra os achados, sistematiza a classificação e auxilia na criação de laudos estruturados, garantindo consistência entre diferentes profissionais.
Reconhecimento oficial fortalece o diagnóstico
O lipedema foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019 e incluído na CID-11 em 2022, com implementação oficial prevista para 2027. No Brasil, o Consenso Brasileiro de Lipedema reforça a importância do diagnóstico precoce.
Esse reconhecimento permite:
- Dar validez médico-legal aos laudos
- Facilitar solicitações de tratamento adequado
- Incorporar o lipedema em protocolos de atenção à saúde
Além disso, a doença pode causar mobilidade limitada, sobrecarga musculoesquelética e redução da qualidade de vida. Estágios avançados podem gerar ganho de peso secundário, piorando a sobreposição de problemas cardiovasculares, o que evidencia a importância de diagnósticos precoces.
Manejo multidisciplinar
O tratamento eficaz exige abordagem multidisciplinar, que inclui:
- Fisioterapia para mobilidade e drenagem linfática
- Exercícios de baixo impacto
- Uso de compressão para reduzir inchaço
- Acompanhamento nutricional
- Suporte psicológico
Em casos selecionados, intervenções cirúrgicas, como a lipoaspiração, podem ser aplicadas, especialmente quando o acúmulo de tecido prejudica mobilidade e função.
Dessa forma, as pacientes recebem cuidados personalizados, alinhados com o conhecimento científico atual.
Avanços tecnológicos e perspectivas futuras
Com classificação tecidual inédita, metodologia de imagem padronizada e ferramenta digital de escore, o Brasil se destaca na pesquisa internacional sobre lipedema. Consequentemente, surgem oportunidades para:
- Criar centros de referência
- Desenvolver estudos multicêntricos
- Ampliar políticas públicas baseadas em evidências
Mais do que um avanço tecnológico, essa pesquisa transforma a saúde da mulher, permitindo que uma condição historicamente invisibilizada seja identificada com parâmetros mensuráveis, documentação padronizada e reconhecimento oficial.
Deise Vargas é membro do Conselho Editorial do Journal of Diagnostic Imaging (JODI), coordenadora do Fellowship em Ultrassonografia Avançada da Rede D’Or e do Núcleo de Ensino e Mentoria em Ultrassonografia Avançada da UltraVox.
