A cada década, a ciência oferece uma nova janela para o cosmos, e algumas delas brilham com intensidade especial. Entre essas janelas, destaca-se a missão OSIRIS-APEX, da NASA, que atualmente costura seu caminho silencioso pelo espaço profundo rumo ao asteroide 99942 Apophis, considerado durante anos um potencial “destruidor de cidades”. Em 2025, a sonda protagonizou um momento de poesia científica ao registrar imagens extraordinárias da Terra e da Lua, enquanto realizava testes de navegação a 6,3 milhões de quilômetros de distância. Esse gesto aparentemente simples revelou mais do que beleza: simbolizou uma preparação meticulosa para um encontro histórico em 2029.
A dança entre a Terra, a Lua e o olhar de uma nave distante
As imagens capturadas em novembro de 2025 são o tipo de cena que obriga até o olhar mais analítico a pausar. Mesmo a essa distância colossal, a OSIRIS-APEX conseguiu distinguir a Luz azulada da Terra e o reflexo cinzento da Lua, como se fossem dois viajantes silenciosos flutuando em um palco de veludo escuro.
Essas fotografias não foram feitas apenas para maravilhar, embora cumpram essa função de forma esplêndida. Elas fazem parte de um protocolo essencial de teste dos sistemas ópticos da sonda — sistemas que serão cruciais para sua aproximação e manobras ao redor de Apophis, um asteroide cuja passagem próxima à Terra exigirá medições extremamente precisas.
Por que Apophis se tornou tão famoso?
O asteroide 99942 Apophis entrou no imaginário coletivo logo após sua descoberta em 2004. A princípio, cálculos preliminares sugeriram a possibilidade inquietante de um impacto direto com a Terra no ano de 2029. Embora a probabilidade tenha sido posteriormente revisada e praticamente descartada, a primeira impressão permaneceu. Esse histórico é justamente o motivo pelo qual ele continua sendo tratado como um caso de estudo prioritário na defesa planetária.
Além disso, Apophis tem características próprias que despertam curiosidade científica. Ele possui cerca de 340 metros de diâmetro, tamanho suficiente para devastar uma grande cidade caso um impacto ocorresse — daí seu apelido dramático. Sua composição, porém, ainda traz perguntas importantes: é formado por blocos soltos? Possui crateras profundas? Pode liberar poeira durante a aproximação? Cada uma dessas características ajuda cientistas a entender melhor como esses corpos se movem e se fragmentam.
O reencontro previsto para 2029
A OSIRIS-APEX tem um propósito claro: chegar a Apophis pouco depois de sua passagem extremamente próxima pela Terra, prevista para 13 de abril de 2029. Nesse dia, o asteroide passará tão perto que cruzará a órbita de alguns satélites e poderá ser visto a olho nu em determinadas regiões do planeta. Um espetáculo cósmico que rivaliza com eclipses totais, mas com um toque adicional de tensão histórica.
Durante essa passagem, Apophis será afetado pela gravidade terrestre. Portanto, sua superfície pode tremer, rearranjar-se ou até liberar material. A NASA quer observar exatamente esses fenômenos. A OSIRIS-APEX, que antes se chamava OSIRIS-REx e já trouxe amostras do asteroide Bennu para a Terra, foi cuidadosamente redirecionada para essa nova missão. Agora, seu conhecimento prévio em navegação de baixa gravidade será usado novamente, mas em um cenário completamente diferente.
Preparar para o inesperado
O comportamento de um asteroide ao passar muito próximo de um planeta é, ao mesmo tempo, previsível e misterioso. Entretanto, pequenas variações podem gerar mudanças significativas. Por isso, os dados coletados antes, durante e após a passagem serão fundamentais para modelos de dinâmica orbital, que alimentam sistemas de monitoramento global como a rede Sentry da NASA.
A missão OSIRIS-APEX não está apenas “indo ver um asteroide”. Na verdade, ela está montando um laboratório inteiro em movimento. A sonda será capaz de examinar a rugosidade da superfície, medir temperaturas, registrar emissões térmicas e até realizar manobras arriscadas para coletar poeira levantada pela interação gravitacional.
Um presente para o futuro da defesa planetária
A humanidade já não observa asteroides com a mesma inocência de décadas passadas. Depois de experimentos como a missão DART, que atingiu e desviou o asteroide Dimorphos em 2022, ficou claro que estratégias de defesa planetária são mais do que ficção científica. Elas estão em construção.
Nesse sentido, Apophis oferece uma oportunidade rara. Como passará incrivelmente perto da Terra, ele permitirá medir com exatidão o que ocorre em um cenário limítrofe: um objeto grande demais para ignorar, mas não tão perigoso a ponto de exigir uma intervenção imediata. Os dados reunidos serão um manual valioso para lidar com outros corpos potencialmente ameaçadores no futuro.
A beleza antes da ciência
Embora o foco da missão seja técnico, as imagens da Terra e da Lua capturadas em 2025 tiveram um valor adicional. Elas lembram que, em meio a todos os cálculos, curvas orbitais e protocolos, existe algo profundamente humano em enviar máquinas inteligentes para tão longe: o desejo de compreender o desconhecido sem perder a capacidade de contemplar o familiar.
Ver a Terra a milhões de quilômetros de distância desperta um tipo de humildade curiosa. Não importa o quanto avancemos, seguimos pequenos diante da vastidão — mas somos pequenos com ferramentas poderosas, capazes de capturar mundos, medir riscos e preparar o futuro com uma elegância quase artesanal.
O que vem a seguir
Agora, com seus sistemas testados, a OSIRIS-APEX segue navegando em silêncio rumo ao encontro com Apophis. Até 2029, realizará correções sutis de trajetória, analisará radiação, monitorará temperatura interna e continuará calibrando seus sensores. Enquanto isso, cientistas espalhados pelo mundo acompanham cada atualização com atenção. Afinal, essa missão junta duas narrativas irresistíveis: a proximidade histórica de um asteroide temido e a persistência humana em transformar ameaças em conhecimento.
A sonda não carrega apenas instrumentos. Carrega perguntas, expectativas e a promessa de que compreender Apophis é compreender também a própria fragilidade do planeta — e a crescente habilidade de defendê-lo.
